Consideradas trunfos para ganhar mercado e fidelizar clientes, as linhas de produtos de marca própria conquistam consumidores e empresas do setor
Um levantamento realizado a partir das informações coletadas pela plataforma Horus Inteligência de Mercado mostra que a presença dos produtos de marca própria é constante e se intensifica cada vez mais na cesta de consumo, especialmente na de itens básicos. Tomando como base o primeiro semestre deste ano, nota-se um impulso para cima de abril a junho, passando de uma participação de 1,9% para 2,7%, a maior marca alcançada desde janeiro (veja Quadro abaixo).
Na lista de categorias que concentram 30% das marcas próprias, aparecem vários itens básicos, como bis-coitos, legumes, arroz, feijão, massa s alimentícias, molho de tomate, pão, papel higiênico e água sanitária.
Comparando os dados de janeiro e de junho (antes e durante a pandemia), Luiza Zacarias, diretora de Novos Negócios da Horus, chama a atenção para o fato de a participação de marcas próprias na cesta de compras ter passado de 2,4% para 2,7%.
“Parece pouco, mas representa um significativo aumento de 12,5% na presença de marcas próprias na cesta do consumidor. Por exemplo, a compra de biscoitos de marcas próprias triplicou em seis meses.”
Antônio Sá, sócio da consultoria Amicci, especializada em desenvolvimento e gestão de marcas próprias para o varejo, como supermercados, varejo independente, perfumarias e drogarias, dá a receita de bolo para empresas que plane-jam investir na criação de seu rótulo.
“Primeiramente, é preciso ter em mente que elas serão gestoras de marcas e terão de assumir um papel equivalente ao das indústrias. Terão novas competências, como criar a marca, cuidar do seu posicionamento e acompanhar o desenvolvimento técnico dos produtos”, ressalta.
O especialista também observa a necessidade de as empresas entenderem que seu nome estará atrelado à linha de produtos e, por isso, a cada passo, deve–se tomar todo o cuidado, inclusive na escolha criteriosa dos fornecedores, para preservar o bom relacionamento que eles têm com os consumidores. Quanto à questão de com quais categorias se deve a trabalhar, recomenda que sejam consideradas aquelas que os consumidores estão mais abertos para experimentar.
“É o caso dos produtos de limpeza, arroz, feijão e café”, observa. Em sua opinião, o consumidor busca na marca própria a possibilidade de economizar e, se experimenta e gosta, passa a incluí-la na lista de compras.
CRISE IMPULSIONA VENDAS
Neide Montesano, presidente da Abmapro – Associação Brasileira de Marcas Próprias e Terceirização, destaca o fato de que, tradicionalmente, o consumo de produtos de marcas próprias cresce muito durante as crises.
Desta vez, por causa da pandemia, nota-se a presença desse aumento especialmente nos canais alimentar e fármaco, que já vinham investindo em linhas exclusivas de produtos antes mesmo da explosão da Covid-19, com equipes especializadas que desenvolviam ou aprimoravam a expertise para trabalhar no segmento.
“Neste ano, acredito que o crescimento vai superar 15% no Brasil e será o maior já obtido em períodos de crise, como a de 2008, que registrou alta de 12,5%”, prevê.
Segundo informou, em 2006, o Brasil faturava 1,6 bilhão de reais com marcas próprias. Em 2019, fechou com 7,6 bilhões de reais. Ela explica, inclusive, que as crises e pandemias geram insegurança nos consumidores, que buscam reduzir gastos nas compras, escolhendo produtos com marcas que tenham apelo de valor.
“É quando migram de marcas premium para marcas próprias que elas carregam valor, têm o propósito de promover a saúde e transmitem a sensação de segurança.” Destaca, porém, que no mercado nacional as prateleiras apresentam dois tipos de marcas próprias: as da terceira geração (as quais estampam produtos que disputam no mercado rótulos intermediários das categorias) e as da quarta geração (as de valor), que incluem produtos orgânicos, naturais, saudáveis.
Ambas são bem aceitas. A partir do surgimento da pandemia, a relação do consumidor com o uso de produtos passou a mudar, e itens como álcool em gel e antibacterianos passaram a entrar na classificação de essenciais e no rol de marcas próprias nos supermercados, nas lojas de conveniência, nas farmácias e em outros canais de venda.
MODELO GAÚCHO
O Grupo UnidaSul, por exemplo, atua com um leque de marcas próprias. As principais são CBS Alimentos e Valore, vigorosamente trabalhadas no atacado distribuidor. Juntas, representam 25% das vendas do canal, que abastece o varejo gaúcho e conta com cerca de 12 mil clientes cadastrados – a maioria deles de quatros checkouts.
Essas duas marcas também são comercializadas nas redes Super Rissul (38 lojas de varejo) e Macromix Atacado (oito de cash & carry), ambas do Grupo, juntamente com as carnes Estância Rissul e No Ponto, leites Só Milk (leite longa vida) e outros rótulos próprios.
Por sua vez, a CBS, que está no merca-do desde 1975, conta com cerca de 300 itens. Seu carro-chefe é a linha de cereais (arroz, feijão, pipoca, lentilha e outros), que responde por algo em torno de 40% do volume de vendas da marca.
Sucos prontos (néctares) ocupam a segunda posição, com importância de 20% (em unidades comercializadas). Completam o portfólio os temperos, confeitos, sobre-mesas, óleos, itens matinais, farináceos, enlatados e conservas.
A Valore chegou ao mercado no ano 2000, tem 150 produtos e um mix igual-mente concentrado em cereais (o equivalente a 80%). É considerada a segunda marca própria de maior peso. “Os fornecedores podem até ser os mesmos. A diferença é que a CBS recebe mais investi-mentos em marketing e está consolidada no mercado”, diz Everson de Cesaro, gestor de marcas próprias e de importação.
Com 10 mil produtos cadastrados e comercializados no atacado distribuidor, a Unidasul não trabalha com produtos semelhantes e que confrontem as marcas próprias. “Oferecemos nossos pro-dutos, que têm qualidade e custam, em média, 15% menos do que as marcas líderes”, observa.
Segundo Cesaro, as vendas de marcas próprias crescem ao redor de 8% ao ano desde 2016, quando a crise econômica apertou e o consumidor passou a experimentar mercadorias de rótulos que prometem qualidade e menor preço. Em tempos de pandemia, acrescenta, a alta superou esse patamar de março a julho, mas a meta permanece em 8% para 2020.
A empresa antecipa que, ainda em 2020, terá embalagens mais compactas para alguns itens, como farináceos e biscoitos. A UnidaSul garante rigoroso controle de qualidade em toda a cadeia, desde a produção e a embalagem até a apresentação do produto final. A linha de cereais é empacotada dentro da em-presa, em Esteio/RS, e distribuída depois para os cinco centros de distribuição.
“Entendemos que o cuidado com a mar-ca própria está associado à imagem da empresa e exige um processo criterioso de acompanhamento. A marca própria permite aumentar a lucratividade, intensificar a fidelização dos clientes e oferecer um diferencial em relação à concorrência”, assegura.
FEIRA ESPECIALIZADA
A 5a Edição da Private Label Brazil, feira de marca própria e de terceirização, será remarcada para 2021 em data a ser informada, em razão da pandemia da covid-19.
“O crescimento das vendas da marca exclusiva está sendo impulsionado pelo maior interesse do consumidor, que encontra mais ofertas de produtos nas prateleiras, o que permitiu uma maior ‘experimentação’ e também por meio do boom que ocorreu com as vendas on-line ocasionado principalmente pela pandemia da covid-19, na qual as pessoas foram obrigadas a ficar isoladas em suas casas”, observa Luiz Fernando, Project Manager da Private Label Brazil, organizada pela BMcomm – Brazil Media Communication.
A promotora realizará em 6 e 7 de outubro deste ano, data em que seria realizada a feira presencial, a Private Label 100% Digital. Por meios totalmente on-line, expositores, visitantes, palestrantes e público poderão contar com uma agenda exclusiva.
“Estamos com uma ampla e extensa programação de atividades de agora até a realização da feira, em 2021, que, nesse próximo ano, deverá reunir mais de 70 marcas expositoras”, salientou.
MARCA DE MATERIAL DE CONSTRU-ÇÃO
A Diferpan, atacadista distribuidora de materiais de construção que atua no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, é dona da marca Dtools. Com 23 anos de existência, o rótulo está estampado em 600 produtos, de ferramentas a selantes, vendidos nos dois Estados, e responde por 17% do faturamento da empresa.
“Atualmente, ela desponta como o principal negócio. O mercado vem respondendo muito bem aos produtos da nossa marca. Em 2019, tivemos um crescimento da ordem de 14%, e para este ano projetamos um aumento de 15%”, destaca Juan Fayos, diretor-comercial.
Segundo informou, a empresa adota a estratégia de acompanhar o desenvolvimento e a aceitação da linha. Nossa prioridade é a de poder contar com um portfólio alinhado às necessidades dos varejistas e do consumidor final. “Nosso foco prioritário é atender às expectativas dos clientes”, ressalta.
Neste ano, a Diferpan apresentou lançamentos na Dtools, priorizando o au-mento da produtividade e a evolução do uso dos produtos, principalmente na linha de ferramentas manuais e selantes (químicos). Na mira, estão consumidores que, por conta da Covid-19, ficam mais tempo em casa e colocam a mão na massa, desenvolvendo a cultura do “faça você mesmo”, acrescenta Juan Fayos.
“Nossa marca está se fortalecendo. Nos últimos três meses (encerrados em julho), ela apresentou um resultado 20% acima do que havíamos planejado para a marca própria. Com isso, fortalecemos a estratégia da marca, ganhando ainda mais destaque no nosso negócio.”
Em relação ao fato de a Diferpan também distribuir produtos de outras marcas, ela garante que desenvolve parcerias vigorosas e duradouras, chegando a reconhecer as marcas dos seus fornece-dores como suas, preocupando-se com o abastecimento, a imagem, o posiciona-mento e a performance.
Atualmente, a empresa tem aproxima-damente 200 fornecedores, comercializa 9 mil itens e atende, a cada mês, mais de 5 mil clientes. A produção da Dtools é terceirizada. Uma equipe trabalha no de-senvolvimento dos produtos e no acom-panhamento dos processos produtivos e da qualidade dos produtos acabados.
PRIMEIROS PASSOS
Instalada em Boa Vista/RR, a Parima Distribuidora está dando os primeiros passos no setor de marcas próprias. Até o momento, conta apenas com o composto lácteo em pó de 400 g. Embora tenha apenas um ano de vida, já está com sua embalagem repaginada. A nova versão traz informações sobre o alimento em três idiomas: português, espanhol e inglês.
O motivo da renovação está associado à estratégia da empresa de comercializar a bebida láctea no Brasil e, principalmente, na Venezuela e na Guiana Inglesa. Antônio Parima, presidente da companhia, explica que já comercializa o produto em Roraima e na Venezuela, sendo que a de-manda no país vizinho é grande e hoje consome praticamente quase todo o es-toque do composto lácteo.
Atualmente, a empresa concentra esforços em suas negociações com indústrias, pretendendo com elas ampliar a linha Parima ainda neste ano. “Além de Rondônia, buscamos parceiros para produzir nossa linha em São Paulo, Minas Gerais e outros lugares. Até dezembro, queremos oferecer maionese, chocolate e refresco em pó. Nossa proposta é ganhar mercado com produtos populares e de preços acessíveis, para vender além das fronteiras”, explica.
A Parima está distante 200 quilômetros da Venezuela e 100 quilômetros da Guia-na Inglesa. Já atende os dois mercados com a distribuição de produtos de várias marcas. Trabalha com um portfólio de 800 itens, muitos dos quais com rótulos consagrados no Brasil. Sua carteira inclui mil clientes em Roraima. E mais cinco na Venezuela e três na Guiana Inglesa, os quais abastecem o varejo desses países.
OS IMPORTADOS SÃO O DIFERENCIAL
Voando para Pernambuco, o destaque fica por conta da operação da KarneKeijo desenhada para as marcas próprias, que atualmente respondem por 2% do faturamento. A empresa tem quatro rótulos – Zelda (para mercearia seca e temperos), Dumar (de pescados), Ken Sushi (linha oriental) e Bomkorte (de carnes) – que reúnem cerca de 300 itens.
São vendidos principalmente no ata-cado distribuidor, área que comercializa 4 mil itens e atende 10 mil clientes, entre food service – como Diefs – e varejo lo-calizados em Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. Essa divisão responde por 80% das vendas de marcas próprias, que também são comercializadas nas quatro lojas Deskontão (cash & carry do grupo instalado na região metropolitana do Recife e com mix de oito mil itens).
À frente da empresa, Inácio Miranda Júnior explica que o plano de ação desenvolvido para as marcas próprias tem como base produtos importados, muitos dos quais sem similar nacional, o que dá uma folga para a política de composição de preços. “Compramos peixe da China, do Chile, do Peru e de outros países, bem como bacalhau da Noruega. O Brasil não dispõe de volume para atender à demanda, principalmente das espécies que cus-tam menos”, explica.
A KarneKeijo também encomenda no Exterior alimentos da culinária oriental, alguns cortes de carne bovina aprecia-dos pelos brasileiros, como a picanha da Austrália e o fígado trazido dos Estados Unidos e da Argentina.
Na comercialização junto aos pontos de venda, adota uma estratégia diferenciada.
“Temos aqui o Lukre Mais, no qual entram os produtos de distribuição exclusiva, que oferecem premiação e co-missão diferenciadas. As marcas próprias também fazem parte desse portfólio”, explica o empresário.
Segundo informou, pode ocorrer que surjam produtos similares, mas com posicionamentos diferentes em relação aos preços praticados. “Mas nem sempre a marca própria oferece o menor preço”, enfatiza. Outro passo para potencializar os negócios de marca própria está sendo planejado na condição de associado ao grupo dos Diefs (Distribuidores Especializados em Food Service). “Queremos, no médio prazo, em dois anos, ganhar mercado com as marcas do grupo”, prevê.
TODO BOM
A Paraty Atacado e Distribuidora, mais conhecida como Compare Distribuidora, é outra empresa que in-veste em marcas próprias no Nordeste. É dona da Todo Bom e da Blue Rio, vendi-das para varejistas de Pernambuco e da Bahia.
Embora estejam disponíveis aos mesmos clientes, Flávio Martins, diretor-comercial da Compare, explica que são comercializadas por equipes distintas e respondem por 3,5% dos negócios. “Com essa estratégia comercial, ampliamos a oportunidade de oferecer mais produtos próprios no mesmo ponto de venda, fidelizamos os clientes e podemos alcançar novos estabelecimentos.”
A Todo Bom tem 18 anos de vida, representa 80% das vendas de marcas próprias e se apresenta com um mix mais robusto. Com 140 itens, tem 90% das vendas concentradas em alimentos e itens de limpeza, mas também apresenta artigos de perfumaria e de outros se tores, como velas. Por sua vez, a Blue Rio, criada há sete anos, introduz uma linha mais enxuta, de 33 itens, oferecendo basicamente alimentos.
Ambas as marcas oferecem pratica-mente os mesmos itens, como arroz e milho, com o mesmo preço. Mas nem por isso atuam com mix idêntico. A acetona, por exemplo, leva o rótulo da Todo Bom, e o sopão, da Blue Rio.
Os planos da empresa para ganhar mercado, segundo Flávio Martins, consistem em fortalecer a marca caçula.
“Queremos oferecer portfólio parecido nas duas marcas. Por isso, estamos trabalhando com mais velocidade em lançamentos na Blue Rio. No ano passado, ela ganhou 11 produtos e outros seis deverão sair do forno ainda neste ano.”
A estratégia adotada para a escolha de produtos de marca própria consiste em ter como foco os nichos de mercado que não dependam, como ponto forte, da es-colha do consumidor por rótulos já consagrados.
“Não investimos em xampu, óleo de soja, itens de coloração (para cabelos). A grande parte dos nossos produtos está em categorias pelas quais não há grande fidelidade com relação às marcas, como guardanapos e temperos de carne.