Crise global de suprimento e disparada de inflação levam grandes redes a ampliar a oferta de itens sob encomenda nos supermercados
A pandemia e a disparada da inflação aceleraram o avanço das marcas próprias de alimentos, bebidas, itens de higiene e limpeza no carrinho de compras do brasileiro e nas prateleiras dos supermercados. Nos últimos anos, gigantes do varejo já vinham investindo na melhoria da qualidade de produtos feitos sob encomenda. Com preços, em média, 20% menores do que os das marcas líderes, a intenção das varejistas com a marca própria sempre foi fidelizar o cliente.
No entanto, nos dois últimos anos, as vendas de marca própria ganharam um impulso extra. Com a quebra das cadeias de suprimentos provocada pela pandemia, o que resultou na falta de itens e mais inflação, o consumidor optou por experimentar novos produtos com preços mais em conta. E a marca própria entrou no radar das compras.
Só no último ano, o desembolso médio mensal com produtos de marca própria aumentou 6,5% em relação a 2020, aponta outro recorte do levantamento. Foi um ritmo de crescimento do gasto quase quatro vezes maior em comparação ao período imediatamente anterior (1,8%). Houve aumento da compra de produtos de marca própria em todas as faixas de renda. Em 2021, as famílias com renda acima de 20 salários mínimos (R$ 24,2 mil) desembolsaram 9,2% a mais por mês em relação a 2020. No polo oposto, as que recebem até dois salários mínimos (R$ 2.424), a alta foi de 16,9% na mesma base de comparação.
No Carrefour, a maior rede de supermercados do País, a participação da marca própria nas vendas líquidas da companhia cresceu 50% nos últimos três anos. No final de 2021, os produtos de marca própria responderam por 19,4% das vendas, ante 12,7% em 2018. A meta da companhia é que, até o final de 2025, um quarto das vendas de alimentos e produtos de higiene limpeza seja de marca própria.
Qualidade
A virada de chave das grandes varejistas para apagar o estigma carregado pela marca própria de produto mais barato e ruim foi investir na qualidade. “Três anos e meio atrás, começamos a trabalhar a marca própria como um pilar estratégico”, afirma o diretor de marcas próprias do Carrefour, Allan Gate. Na época, a empresa reavaliou todos os produtos para ter itens com qualidade e preço competitivo, isto é, 30% menor do que o da marca líder.
De lá para cá, lançou 450 produtos por ano e, hoje, tem 3.200. E o ritmo de lançamentos para este ano será mantido. Hoje, a marca própria responde por 15% a 20% do sortimento das lojas.
Em fraldas, por exemplo – uma categoria que, segundo Gate, é dificílima de entrar -, a marca própria lidera as vendas da rede, assim como em cápsulas de café. No segmento pet food, onde a varejista ingressou faz seis meses, a marca própria responde por 20% da receita.
Na rede Dia Brasil, a marca própria detém 30% das vendas, e a receita dos mais de mil itens que levam a bandeira da empresa cresceu 6,5% em 2021 ante 2020. “É muito, com a crise da pandemia. A média dos anos anteriores oscilava entre 1% e 2%”, afirma Loiane Silveira, diretora de marca própria da varejista.
Em 2021, a companhia bateu recorde de lançamentos, com 150 produtos. Para este ano, planeja 200 novos itens para atingir 32% do faturamento.
O GPA, vice-líder do setor supermercadista, também está apostando nessa frente. Com 5,2 mil produtos, no ano passado a marca própria respondeu por 21,1% da receita da empresa. “As vendas cresceram 20% desde 2019”, afirma Eduardo Finelli, diretor de marcas exclusivas do GPA. Para este ano, a perspectiva é continuar avançando com 120 lançamentos, ante 100 em 2021, e chegar a 21,5% de participação nas vendas totais do grupo.
Um negócio atrativo para o consumidor e para o varejista
A marca própria pode ser bom negócio para o consumidor e também para o varejista. Uma simulação feita pela reportagem com base em duas cestas com sete itens (arroz, feijão, açúcar, café, leite, macarrão e óleo), sendo uma com marcas líderes e a outra com itens feitos sob encomenda pelo mesmo supermercado, mostra que a cesta de marca própria é 15% mais em conta em relação à cesta de produtos líderes de mercado.
Essa economia nos produtos de marca própria resulta, segundo os supermercados, da redução dos gastos com marketing, promotores nas lojas e das negociações com as indústrias para cortar custos.
“Os varejistas começaram a observar que investir em marca própria é um grande negócio”, afirma o vice-presidente da Associação Brasileira de Marca Própria, Marco Quintarelli. Isso foi constatado antes mesmo do impulso que houve nas vendas por causa da pandemia e da disparada da inflação. O faturamento dos associados da entidade, que inclui supermercados, drogarias, pet shops e varejo de material de construção, por exemplo, cresceu 16% no ano passado, depois de uma alta de 10% em 2020.
Quintarelli diz que, quando o varejista tem marca própria, domina mais o seu negócio, aumenta rentabilidade e ganha poder de barganha nas negociações com os fornecedores.
O grande diferencial para o varejista é tornar o cliente fiel à loja, já que o produto é encontrado naquela rede. No GPA, por exemplo, desde o início da pandemia a taxa de pessoas que voltaram às lojas da rede varejista para comprar novamente produtos da marca própria depois de terem experimentado pela primeira vez foi de 50%, conta Eduardo Finelli, diretor de marcas exclusivas.
Efeito multiplicador
Outro ponto, segundo Quintarelli, é o efeito multiplicador no faturamento. Indo mais vezes à loja e comprando itens de marca própria, essa economia no gasto se traduz na compra de outros itens. “O cliente que consome marca própria gasta 5,9 vezes mais do que quem não consome”, diz o diretor de marcas próprias do Carrefour, Allan Gate.