Como a Amazon está vencendo o jogo do varejo online. De novo

Novas estratégias criam oportunidade para empresa dobrar receitas com marcas própria para US$ 25 bilhões nos próximos quatro anos, segundo analistas

Por Julie Creswell, The New York Times

Tudo começou com uma simples pilha. Por volta de 2009, a Amazon entrou calmamente no setor de marca própria oferecendo um punhado de itens sob uma nova marca chamada AmazonBasics. As ofertas iniciais eram os tipos de produtos sem glamour que os consumidores compravam em sua loja local de hardware: os cabos de alimentação e fios para o equipamento eletrônico e, em particular, pilhas e baterias – com preços cerca de 30% mais baixos do que as marcas nacionais como Energizer e Duracell.

Jeff Bezos (Amazon)
Novas estratégias criam oportunidade para Amazon dobrar receitas com marcas própria para US$ 25 bilhões em quatro anos Foto: Divulgação

Os resultados foram impressionantes. Em apenas alguns anos, a AmazonBasics havia tomado conta de quase um terço do mercado online de pilhas, superando as próprias vendas tanto da Energizer quanto da Duracell em seu site.

Dentro da sede da Amazon em Seattle, esse sucesso levantou uma possibilidade tentadora. Se, com pouco esforço, a Amazon pudesse se tornar um grande participante no mercado de pilhas e baterias, o que mais poderia ser possível para a empresa?

Qualquer pessoa que passe muito tempo no site da Amazon pode ver a resposta para essa pergunta. A empresa agora tem cerca de 100 marcas próprias à venda em seu imenso mercado online, das quais mais de cinco dúzias foram introduzidas somente no ano passado.

Mas poucas desses são vendidos sob a marca Amazon. Em vez disso, eles deram uma variedade de nomes descartáveis e anódinos como Spotted Zebra (roupas para crianças), Good Brief (roupa íntima para homens), Wag (comida para cães) e Rivet (móveis para casa). Quer comprar um estiloso mas acessível vestido de mangas curtas? Uma versão com ampla saia da Lark & Ro (US$ 39), talvez na cor Millennial Pink, pode ser exatamente o que você está procurando.

Na superfície, a mudança para o negócio de marca própria (no qual as mercadorias são vendidas sob o nome do varejista, e não de um fornecedor externo) parece ser uma jogada hábil da Amazon. Analistas preveem que quase metade de todas as compras online nos Estados Unidos será realizada na plataforma da Amazon nos próximos dois anos. Isso cria uma enorme oportunidade para a Amazon de mais que dobrar a receita de suas marcas internas para US$ 25 bilhões nos próximos quatro anos, segundo analistas da SunTrust Robinson Humphrey. Isso é o equivalente a toda a receita da Macy’s no ano passado.

Além disso, em um esforço para incentivar os compradores a se inscrever no programa Amazon Prime (que agora custa US$ 119 por ano, acima dos US$ 99, há um ano), alguns dos produtos de marca própria da Amazon, como as roupas cáqui Goodthreads para homens ou comida para cães Wag de salmão e lentilha, só podem ser comprados por clientes Prime.

“A Amazon começou muito devagar na marca própria”, disse Youssef Squali, diretor-gerente de pesquisa de mídia digital e internet da SunTrust. “Francamente, achamos que nossa estimativa para o tamanho do setor de marca própria é conservadora”, acrescentou.

A Amazon se recusou a colocar à nossa disposição qualquer um de seus executivos para este artigo, mas em resposta a uma lista de perguntas, a empresa disse que seu objetivo maior é fornecer aos clientes uma ampla gama de produtos e marcas.

“Nós adotamos a mesma abordagem para marca própria, que adotamos com qualquer coisa na Amazon: começamos com o cliente e trabalhamos ao contrário”, disse a empresa em seu comunicado.

Um campo de jogo inclinado? Não são apenas os preços mais baixos que estão voltando os clientes da Amazon em direção aos seus produtos de marca própria.

A Amazon está utilizando o conhecimento de seus sua poderosa máquina de mercado – desde a otimização de algoritmos de palavras de busca à análise de dados de vendas dos concorrentes usando as redes de críticas dos clientes – para direcionar os compradores em direção à sua marca doméstica e para longe de seus concorrentes, dizem analistas.

E como os consumidores cada vez mais compram usando tecnologia de voz, o campo de jogo se torna ainda mais tendencioso. Por exemplo, os consumidores que pedem à Alexa da Amazon para “comprar pilhas” recebem apenas uma opção: AmazonBasics.

A ameaça emergente de marca própria da Amazon representa um dilema para pequenos fornecedores e para as grandes marcas nacionais. Mesmo que a Amazon conquiste parte do mercado e consuma suas margens de lucro, eles têm pouca escolha a não ser continuar vendendo na plataforma da Amazon para se colocar à frente de milhões de clientes em potencial.

“Eu acho que, efetivamente, você tem uma empresa que tem conspirado com cerca de um bilhão de consumidores e a tecnologia para destruir marcas”, argumentou Scott Galloway, fundador de uma empresa de pesquisa de negócios agora chamado Gartner L2 e professor de marketing da Faculdade de Administração da New York University Stern, durante uma apresentação no ano passado.

“A atitude deles é que as marcas ganharam, por um longo tempo, um preço premium não merecido, que prejudicou os consumidores.”

Mas como a Amazon usa sua poderosa plataforma para reforçar seus negócios de marca própria, também há debates nos círculos legais se algumas de suas atividades puderem ser vistas como monopolistas por natureza.

Alguns dizem que a Amazon pode enfrentar uma contestação legal do mesmo tamanho e abrangência de quando o Departamento de Justiça impetrou há duas décadas uma ação antitruste contra a Microsoft por incluir seu próprio navegador em seu software, dificultando a instalação de um navegador de um grande concorrente da Microsoft, o Netscape. A Microsoft perdeu essa batalha judicial.

“Acho que existe um caso potencial de monopólio contra a Amazon”, disse Chris Sagers, professor antitruste da Faculdade de Direito Cleveland-Marshall, em Ohio. “Os funcionários de marketing da Amazon são gênios. Eles são brilhantes “, disse Sagers. “Mas se eles estão obtendo uma penetração massiva no mercado e impedindo os clientes de comprar os produtos de seus concorrentes? Bem, é como se eles estivessem escrevendo a argumentação do queixoso para eles”.

Em um e-mail, a porta-voz da Amazon disse que a empresa é “uma pequena fração de uma indústria de varejo global muito grande e vibrante, e a concorrência e a invenção que acontecem no varejo são ótimas para os clientes”.

‘Dados que ninguém mais tem’. A vantagem da Amazon sobre os varejistas tradicionais é seu conhecimento e acesso aos dados de sua plataforma.

Por exemplo, em buscas por palavras. Cerca de 70% das pesquisas de palavras feitas no navegador de pesquisa da Amazon são para produtos genéricos. Isso significa que os consumidores estão digitando “roupa íntima masculina” ou “tênis de corrida” em vez de pedir, especificamente, a Hanes ou a Nike.

Para a Amazon, essas pesquisas por palavras feitas por consumidores permitem que eles coloquem seus produtos de marca própria na frente do consumidor e garantam que eles apareçam rapidamente. Além disso, a Amazon tem os e-mails dos consumidores que realizaram buscas em seu site e podem enviá-los diretamente por e-mail ou usar anúncios pop-up em outros sites para direcionar os consumidores de volta ao mercado da Amazon.

Parte desses dados também estão disponíveis para grandes marcas ou fornecedores que vendem na plataforma da Amazon através de um programa chamado Amazon Retail Analytics Premium. Mas é caro, com fornecedores pagando 1% do seu custo de atacado de produtos vendidos para a Amazon ou um mínimo de US$ 100 mil para ter acesso a um banco de dados que lhes permita ver alguns, mas não todos, os dados que a Amazon compilou.

“A Amazon tem acesso a dados que ninguém mais tem”, disse James Thomson, ex-executivo da Amazon que atualmente trabalha na Buy Box Experts, uma consultoria que aconselha empresas sobre como construir suas marcas e vender produtos na Amazon. “Eu não posso simplesmente entrar em uma loja e dizer: ‘Com licença, você olhou para essa marca de cereal esta manhã e decidiu não o comprar?’ A Amazon tem esses dados. Eles sabem que você olhou uma marca e não a comprou, e eles não vão compartilhar esses dados com nenhuma outra marca”.

Com esses dados, a Amazon pode realizar testes de preços regionais ou, um dia, reduzir o custo de seus produtos em determinados mercados para descobrir a que preço um número maior de clientes compra o item.

Uma vantagem injusta? No início do ano passado, o The Yale Law Journal publicou uma nota que foi simplesmente intitulada “Paradoxo Antitruste da Amazon”.

O ensaio, escrito por uma estudante de direito chamada Lina Khan, argumentava, essencialmente, que o atual enquadramento das leis antitruste do país não evoluiu para lidar com o poder de mercado de gigantes da tecnologia como a Amazon.

Apenas algumas semanas antes, o Forum Capitol, um serviço de notícias com sede em Washington, que analisa de negócios a regulamentação, publicou um artigo argumentando que a Amazon correu o risco de aplicação de leis antitruste pela administração Trump por usar seus algoritmos e plataforma para promover seus próprios produtos sobre “aqueles de comerciantes que dependem da plataforma da Amazon e com os quais a Amazon compete”.

Os artigos alimentaram um debate crescente entre economistas e advogados sobre se a Amazon está exibindo um comportamento monopolista ou anticompetitivo em seu mercado.

A Amazon tem duas fortes defesas caso essas questões sejam levantadas. Pelo menos desde a década de 1970, os tribunais têm sido muito céticos em relação aos queixosos antitruste que não podem demonstrar que a conduta questionada causaria a alta dos preços ou a queda da qualidade. Neste caso, a Amazon pode argumentar, com muita veemência, através de sua plataforma, que os consumidores estão pagando preços mais baixos, dizem especialistas legais.

E, embora as marcas da Amazon tenham ganhado rapidamente participação de mercado em sua plataforma em algumas áreas, em outros segmentos, como vestuário, elas representam menos de 1% do estoque vendido. E quando ampliada para incluir lojas físicas, sua participação online no mercado de pilhas é inferior a 5%. Até que a participação da Amazon no mercado total comece a chegar perto de 40% ou mais, é difícil argumentar que há um caso de tentativa de monopolização, dizem os especialistas legais.

Mas se o seu negócio de marca própria crescer como os analistas esperam, poderia enfrentar um desafio legal de ser um “monopsônio”? Em um monopsônio (quando há um único comprador e vários potenciais vendedores), um grande comprador controla uma grande parte do mercado e reduz os preços.

“Se a Amazon não está tornando disponíveis seus concorrentes em voz e pela Alexa, bem, isso soa como possível conduta de exclusão para mim”, disse Sagers. “Se um tribunal federal pode ser convencido de que há um mercado interno, distribuição no varejo e que a Amazon o controla, então eu acho que a Amazon poderia estar olhando para um caso de monopsônio.”

Ainda assim, outros argumentam que uma questão dominante em qualquer tipo de ação antitruste é se as ações da empresa ou uma fusão planejada prejudicariam os consumidores.

“É preciso mostrar que o jogo final é uma espécie de dano ao consumidor, seja por meio de preços mais elevados ou de menor qualidade”, disse Herbert Hovenkamp, professor antitruste da Faculdade de Direito da Universidade da Pensilvânia e da Wharton School. “E até agora, a Amazon nem aparece na tela do radar quando se trata de danos ao consumidor.” / Tradução de Claudia Bozzo